Idosos com sem% de desconto!

Estou passando mal, com tanta falta de respeito. Dia após dia, eu me convenço de que Peter Pan, sabia muito bem o que estava fazendo quando fugiu para a "Terra do Nunca". Pois eu também quero trocar a "Terra do não tem não" pela "Terra do Nunca".
Não sei vocês, mas eita medo de envelhecer! 
Não pela beleza, não pela aparência, não pela proximidade com o encontro a São Pedro, o querido porteiro do céu. 
Não, não é por nada disso. 
É medo de envelhecer nestas terras tupiniquins, onde nem o índio fundador tem respeito. 
Se uma coisa é certa, é que no Brasil, de velho ninguém gosta! É uma verdade, e que revoltante! 

Eis que fomos minha mãe e eu comprar uma passagem de ônibus, ao sessentão aqui de casa, e eu nem lhes conto o horror que é a busca por qualquer direito do idoso. 

Moça do guichê:  Boa noite, em que posso ajudar?

Mamãe:  Boa noite, gostaria de uma passagem para Belo Horizonte, no dia 20 para um idoso.

A criatura com aquela carinha fofa de "vá se danar" olha desinteressada mesmo, ao computador, faz uns "tec-tecs" no teclado e retorna:

Moça do guichê:  Só no dia 21 às 16 horas.

Aí não dava. Porque tinha que ser no dia 20. Até perguntamos, assim como quem não quer nada, se para o dia 21 haveria. Para nosso mau prazer, apenas para junho. Ou dia 20 de maio às dezesseis horas. 

Mamãe:  Obrigada, eu vou olhar na outra viação.

Sai a minha mãe, que ultimamente anda num estágio de impaciência com os serviços oferecidos, em polvorosa com sua bolsa, carteira e documentos em mãos. Caminho cheia de bolsas nos braços, devidos às compras que havia feito, após um dia extremamente exaustivo de sacolejares em ônibus para lá e cá. Perdi a conta de quantos transportes me foram necessários aquele dia, apenas para "resolver os pepinos". Indigestos!

Outra moça do guichê:  Boa noite, em que posso ajudar?

Mamãe:  Boa noite. Gostaria de uma passagem para Belo Horizonte, no dia 20 de junho, para um idoso.

Graças aos céus azuis, a passagem estava disponível, porém...

Moça do guichê:  Senhora, não temos a passagem integral.

Mamãe:  Puxa vida, em horário nenhum?

Moça do guichê:  Não, senhora.

Mamãe:  Tudo bem, pode ser às 22:30 do dia vinte mesmo. Uma meia para o idoso, e uma para acompanhante,

Eis que a atendente muito simpática - real -, prosseguiu com a venda das passagens, mas na hora de calcular o valor ela olhou para a tela meio confusa. Olhou para mim. Olhou para a tela. Olhou para mamãe.

Moça do guichê:  Ué... Tem alguma coisa errada. Só um minuto senhora, porque o valor do desconto está errado. 

Tentou o procedimento, mais duas vezes. Eu com aquela sensação de gangrena nos braços devido a tantas bolsas penduradas, ao notar que o negócio estava ficando estreito, soltei-as ao chão e atentei-me à atendente. Ela se virou para o gerente e indagou:

Moça do guichê: Paulo, tem algo errado. Como pode? Ela está comprando uma passagem para idoso com 50%, o valor da passagem é de sessenta e cinco reais, mas com o desconto está batendo cinquenta e sete reais e quarenta e cinco centavos. 

Gerente:  Repita o procedimento.

Ela repetiu enquanto atentamente ele observava. Para minha humilde cabeça cansada, ele apenas estava ganhando tempo para a desculpa. E assim que constatou o que a atendente falava, Paulo, o gerente girafônico explicou-nos:

Gerente:  O valor de sessenta cinco reais, é promocional para as duas primeiras poltronas do ônibus com pagamento à vista. E quem recorre a benefícios não tem outros descontos cumulativos ou promoções. Esta passagem de idoso tem o desconto sob o valor integral da passagem que é de noventa nove reais e oitenta cinco centavos. 

Moça do guichê: Tudo bem, mas mesmo assim o desconto dela seria de quarenta nove reais e noventa dois centavos.

Ele titubeou para a atendente que o indagava a matemática básica. E eu lá, com a minha cara de "e aí Paulo, qual vai ser?", minha mãe fuzilava Paulo com olhar agressivo.

Gerente:  Sim, mas o restante é a taxa de embarque e pedágio.

Eu achei aquilo um absurdo. E já imaginava a próxima fala de minha querida mãe.

Mamãe de sobrancelha arqueada, olhar nada amigável, peito estufado e voz firme: Então, eu vou pagar taxas extras em cima do meu desconto? Você vai me desculpar, mas o desconto não é de 50%. 

Gerente:  Senhora,  este é o protocolo. Aí não é comigo.

Mau passo Paulo, mau passo.

Mamãe:  É, é inacreditável. Por que anunciar um desconto, que na verdade é uma mentira?

Ele lamentou e se retirou deixando tanto a atendente simpática, como eu e minha mãe de bocas abertas.
Então a atendente maquiavélica, mancomunada à minha progenitora orçamentaram um cálculo de quanto seria se ela comprasse a passagem com desconto ou sem. 
Se a minha mãe optasse pelo desconto, ela não teria liberdade de trocar a passagem para qualquer dia e horário, uma vez que o idoso depende de disponibilidade de vagas e de ônibus. Se ela pagasse os oito reais a mais de diferença - sim, oito infelizes temeritos - teria a vantagem de trocar a passagem quando quisesse, ir no ônibus que quisesse (porque idoso só pode ir em ônibus convencional, aqueles bem desconfortáveis), no horário que quisesse e até recorrer ao ônibus com wi-fi. Por causa de oito reais. 
Decidimos então pagar oito temeritos a mais, e mandar o Paulo para as cucuias, com aquelas normas técnicas abusivas de uma empresa que não se importa com a satisfação do cliente. Mais uma, aliás.
A atendente foi extremamente calma, atenciosa, eficaz e solidária. Palmas para ela. Gravei o nome dela, e vou colocá-lo em intenções de ação de graças na próxima missa. Que coisa boa, quando encontramos alguém eficiente com um serviço de qualidade ainda que a empresa seja uma bosta.
A fila onde estávamos, por causa do Paulo, do desconto, e da paciência e tranquilidade da atendente em nos servir, já se encontrava imensa. E as pessoas que aguardavam, impacientes. Mal sabiam elas, que na próxima poderia ser com elas.

Pegamos nossas coisas, nossas passagens, nos despedimos da moça simpática, enquanto Paulo andava de um lado ao outro esbaforido com as inúmeras reclamações de clientes em sua cabeça e a outra atendente do outro guichê comia uma mosca imaginária, ou outra. 

Detalhe: o barraco que minha mãe não fez, logo foi executado por uma jovem loira revoltada e raivosa. E o Paulo ficou apertado.
A moça loira era mais uma daquelas do "quem deve alface não paga couve". Mais uma cidadã que apela à violência verbal pelo desespero de ser tão desrespeitada.

O desconto para o idoso existe, mas é burlado como a empresa bem entender. Não há quem defenda o seus direitos. Não há alternativas: ou aceita e viaja, ou não aceita e dorme aí na rodoviária. 
O idoso é descartável. 
Aliás, nós somos descartáveis à medida que não produzimos para o país. 
No entanto esta palhaçada de impostos ao longo de toda a nossa vida serve para merda nenhuma né? Aqui nesta Sodoma, o seu dinheiro suado, sofrido é enfiado todo nas "Odebrechs" da vida. E a sua garantia na velhice é de que você está mais próximo da morte.
Neste Brasil, tupiniquim (com orgulho pela história, e vergonha pelo não-progresso), nesta terra do não tem não, o idoso está ferrado e mal pago

É como se ao surgir o primeiro cabelo branco em sua cabeça, o governo já começasse a cavar a sua cova com o seguinte anúncio:


Reservado ao Sr. Ciclano da Silva por seu direito comum, cidadão brasileiro.
por apenas uma vida inteira de R$.



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