Ter um felino em casa, nem dá trabalho!




Abrem-se as cortinas.

Antônio desceu da escada e colocou a pequena faca de serra, e a fita isolante sobre a mesa de jantar. Carmen e Juninho olhavam para ele aguardando as instruções. A mulher mantinha as mãos coladas uma na outra, num claro sinal de misericórdia.

–– Liga a chave Juninho. – o pai pediu o olhando.

CLEC.
E a lâmpada acendeu. Carmem finalmente respirou aliviada, dando graças – sem necessariamente agradecer a alguém – e batendo as mãos no avental correu para a cozinha. Retornou com a travessa de lasanha, a fim de voltar à atividade que executava antes da luz apagar: servir a mesa de jantar. Antônio guardou a fita isolante, elemento essencial de todo marido ninja, depois do Durepox₢ e junto à fita veda-rosca. E devolveu à faca para a gaveta do armário. Sem lavar mesmo, porque homem não suja as coisas. Juninho já mexia novamente em seu celular e esperava o jantar terminar de ser servido, sentado à mesa.

–– Antônio! Você tem que resolver essa instalação, pelo amor de Deus! Não é de hoje que essa luz fica caindo!

Carmem falou sentando-se à mesa para jantar com a família.

–– Já resolvi, não resolvi? Vamos jantar que eu com fome!

Quinze minutos de jantar em família e ouve-se um estouro absurdo. Os membros da família se entreolharam assustados e logo, Juninho percebeu o que acontecia:

–– Pai! saindo fumaça do quadro de energia!
–– Ih, rapaz! Pega minha caixa de ferramenta Carmem!
–– Aí ó! Eu falando! Você não faz nada direito né Antônio? Ai porque eu não ouvi minha mãe?

“Ô Carmem! Carmem! É a Angélica! Carmem!”.

Enquanto pai e filho abriam o quadro de luz pensando em como conter as faíscas, a mulher desesperada com a vizinha a lhe gritar correu em direção à porta.
Lá fora a vizinhança começava a se aglomerar, e foi Carmem gritar “Meu Deus do céu!”, para Juninho se juntar até ela, deixando Antônio enrolado e sozinho.

–– Antônio o poste estourou! – a esposa gritou.
–– Eu ocupado Carmem! Se vira aí! – mal prestou atenção ao que dizia.

Juninho ao perceber que o pai não tinha ideia do que fazer, ligou para os bombeiros e fez o pedido de socorro.

–– Angélica, como foi isso? – Carmem ao lado de fora, acompanhada da vizinha que a chamara olhava pasmada o poste da rua pegar fogo.
–– Ninguém sabe! Estavam todos em casa na hora do barulho.
–– Bem na hora do meu jantar! Eu falando pro Antônio não é de hoje, mas, ele não faz nada direito!
–– A casa do seu Alberto está toda apagada igual à sua.
–– Minha nossa senhora!

Os vizinhos ligaram para a companhia elétrica, os bombeiros chegaram ao mesmo tempo, um pouco depois de vinte minutos. No meio da confusão ninguém sabia quem havia chamado o corpo de bombeiros, até Juninho surgir dizendo que foi ele. Levou os profissionais para dentro de casa, e Carmem acompanhou. Antônio continuava mexendo no quadro, como se soubesse o que fazia e foi um custo convencê-lo a deixar o trabalho para os profissionais.
Os homens da companhia averiguaram o poste de luz, e ao notar a quantidade de casas atingidas: duas, eles constataram o dano causado por uma instalação clandestina.

–– Quem é o responsável pela casa ao lado? – perguntou o técnico da companhia.
–– O seu Alberto. Mas, ele e a esposa só chegam depois das 22 horas. – disse Angélica, a vizinha intrometida.
–– E aqui, quem é o responsável? 
–– Antônio! – Carmem chamou o marido.
–– Pode falar, sou eu mesmo! – estufou o peito e falou com o técnico.
–– Identificamos que o senhor está puxando um gato da casa do vizinho. O senhor faça o favor de entregar essa advertência ao vizinho da casa ao lado. Ele vai pagar um adicional na conta de luz devido ao roubo de energia.
–– E o que nós vamos ter que pagar? – Carmem perguntou já eufórica.
–– Nada não senhora, o gato é de vocês. Quem paga é o vizinho que está sendo roubado.
–– Esse negócio de gato não é crime? – Juninho perguntou confuso.
–– Vai lá dentro e ajuda o bombeiro, garoto! – o pai advertiu e o adolescente saiu contrariado.
–– Nossa senhora, muito obrigada pela prontidão de nos atender moço! Vocês vieram bem rápido e resolveram o problema. Quando volta o nosso fornecimento?
–– Já religamos o gato. O vizinho que vai precisar entrar com pedido de reparo técnico, porque ele vai ficar sem energia até que o pedido seja feito. Ah! E claro, vocês vão precisar trocar o quadro de energia. Mas amanhã cedo nós enviamos outro pessoal para instalar um novo quadro.
–– Amanhã cedo? E como eu fico sem energia até amanhã? – Carmem começou a se irritar.
–– Desculpe senhora, mas, é o protocolo. Estamos apenas aguardando o laudo do bombeiro.
–– Isso é um absurdo! – Carmem reclamou torcendo o nariz.

O homem do corpo de bombeiros chegou e entregou o laudo para o técnico da empresa de fornecimento elétrico. Juninho não entendia nada do que acontecia, até onde sabia aquilo tudo era crime, mas, ouviu o próprio bombeiro dizer que “não dá nada, não”. Carmem entrou em casa reclamando que iria perder o pudim que estava na geladeira, e Angélica ofereceu um maço de velas que tinha em casa, para que os vizinhos terminassem seu jantar. Antônio pegou a advertência, a multa e o aviso de acidente e levou à caixa de correio do vizinho.
Todos foram embora. O poste da rua continuou apagado. A casa de Alberto também. A família jantou à luz de velas e dormiu como se nada houvesse acontecido.

Fecham-se as cortinas.

Por, Ray Dias

Comentários